Rota das Doceiras
Uma viagem para adoçar a vida
Um roteiro por terras mineiras em busca das doceiras de Lagoa Santa
Há 41 km da capital mineira, 12 mulheres trabalham incansavelmente para manter memórias, tradições e a essência doceira viva. No tacho, na horta, no fogão a lenha, numa risada e outra, num conto e em horas de braço, de querer e de prazer. Para não deixar passar o ponto, desandar, grudar e queimar.
Se você quer conhecer pessoas de sorriso largo e de brilhos nos olhos, que abraçam com a alma e que compartilham mais do que receitas, essa viagem é para você. No #ingredientedaveznaestrada dessa vez, embarcamos rumo a Rota das Doceiras de Lapinha, um roteiro pensado para quem quer conhecer e se conectar com o que Minas tem de melhor: “pessoas, histórias e hospitalidade”.
O passeio que vai adoçar a sua vida é uma das vivências oferecidas pela Tripness uma agência de curadoria de viagens e de boas experiências. Ele ocorre aos sábados e sai no valor de R$190, que podemos garantir, vale cada centavo.
A #RotaDasDoceiras começa com um passeio pelo Parque Estadual do Sumidouro, onde é possível sentir a natureza nativa e se encantar pelas belezas naturais, o passeio é acompanhado pela Marta, da Receptur da Prefeitura de Lagoa Santa, que conta as histórias e esclarece as dúvidas que pintarem pelo caminho.
Nossa primeira parada foi na Capela de Sant’ana localizada na comunidade de Fidalginho, na Fazenda do Fidalgo, sesmaria outrora pertencente a bandeira de Fernão. Segundo Marta, foi neste espaço que Borba Gato, procurador do reino, abateu fidalgo Doutor Rodrigo Del Castelo Branco, em meados de 1680, após desentendimentos relacionados ao poder. A capela continua na ativa e ainda recebe as comemorações de Sant’Ana com a tradicional Festa de Congado em julho. O caminho até a fazenda vale o registro. Um oferecimento da natureza com um extenso arco de árvores.
O próximo destino foi o Quintal da Lapinha, restaurante mineiro raiz onde fomos recepcionados por marrecos e pelo bezerro da família. A residência abriga mulheres doceiras/cozinheiras de mão cheia. Minutos antes do almoço, aprendemos a receita do arroz doce da Maria Rosa de Souza, de 73 anos, uma das 12 mulheres participantes da Rota. No fogão a lenha, com colher de pau, Maria mistura o leite gordo, com o arroz e com açúcar. E em algumas horas, a mágica acontece.
Doce pronto é hora de desfrutar do almoço preparado pela Soraia, esposa de Rodrigo Carlos Souza, filho de Maria Rosa, a cozinheira da casa. Comida com alma, daquelas que os aromas te buscam antes de atravessar a porteira.
Um banquete, com direito a torresmo, pé de galinha, frango com quiabo e tropeiro, um tropeiro dos Deuses. Os ovos são das galinhas que correm soltas e felizes pelo quintal. A linguiça também é produzida ali. De pernil picadinho na faca com toucinho, defumada pelo Rodrigo e que pode ser vista logo ao chegar no espaço.
Mesas coletivas, redes para sesta e prosa boa. Ali o tempo pára e a vida desacelera, a comida vai sendo preparada aos poucos, os bichos correm para um lado e para o outro e o aroma da cozinha só fazem a fome aumentar. O banquete está incluso no pacote, mas quem quiser conhecer o restaurante, ele funciona em feriados, sábados e domingos com self service a R$34,90.
Pós almoço, acreditávamos saborear somente o arroz doce, mas para a nossa surpresa brotaram, além dele, doces de todas as cores, aromas e frutas. Tradicionais, clássicos e surpreendentes. Aproveitando as frutas da estação, vez ou outra do quintal, Soraia e Maria preparam verdadeiras preciosidades.
Do maracujá se aproveita tudo. A polpa vira geleia para pães e biscoitos, a casca é transformada em um doce de textura macia e muito agradável ao paladar. Como se não bastasse, Maria ainda me apresenta o doce de maracujá vermelho, isso mesmo, Maracujá Vermelho. Aguçando a minha curiosidade sobre o ingrediente. Peguei uma colher e provei. Doce perfumado, de sabor suave, com leve acidez e cor viva. Lindo de ver e de comer.
A Abóbora também virou doce, sendo um dos preferidos das abelhas Iraí, que são atraídas pela frutose. Ainda foi servido um belo exemplar de pudim de leite e a melhor ambrosia que já provei na vida. A ambrósia, é receita da Adélia do Carmo, também doceira da cidade, do Mercadinho da Dona Roxa.
Adélia conta que gasta cerca de 1h30 para produzir o doce de textura cremosa e granulada, que leva em sua composição: Leite, ovos, canela e açúcar. A doceira chega a produzir 60kg de doces por dia e que além da ambrósia produz geleias e licores. Para ela, a rota é uma maneira de transmitir para a nova geração o modo de fazer. É evidenciar a tradição é o resgate da memória afetiva e gustativa. “Pra gente, doceira, o resgate da memória – aquele gostinho da infância – é o melhor prêmio”, destaca.
Saindo do Quintal da Lapinha, partimos rumo a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, uma das igrejas mais antigas de Minas. De construção simples, no estilo rococó com acabamento de Alejadinho. Alguns passos da capela está a casa de Fernão Dias, que em meados de 1670 estabeleceu morada com suas tropas na região. A Capela e a Casa de Fernão Dias são bens históricos tombados como Patrimônio Histórico do Estado pelo IEPHA.
Depois de um pouquinho de história, seguimos para o Cafofo Café com Arte, um casinha que respira arte. Fomos recebidos um a um pela Maria e seu abraço acolhedor. O espaço fica aos cuidados de Maria e Cássia, duas doceiras e artesãs, que costuram, pintam, bordam e cozinham lindamente.
Além da lojinha de artesanato, o espaço funciona como um café mineirinho. Ali a gente encontrou um delicioso Cubu assado na folha de bananeira, pão de queijo, pão de cebola, bolos e quitandas de vários sabores, café coado e um chá dos Deuses, que Maria chama carinhosamente de Chá do Príncipe. A receita, ela não revelou, mas garantiu que em uma volta no quintal ela encontra todos os ingredientes.
Um quintal extenso, com hortaliças, frutas, ervas e receitas guardadas com muito carinho em anotações em um caderno. Na casa aprendemos a fazer fuxico, sim, todo mundo colocou a mão na massa e saiu de lá com uma lembrancinha do Cafofo. Um momento gostoso, descontraído e rico. A satisfação em ensinar, detalhe por detalhe e a celebrar o trabalho realizado com sucesso nos rendeu boas gargalhadas e memórias.
Depois de uma tarde prazerosa entorno da mesa, a #RotaDasDoceiras continuou, no cair do dia fomos conhecer Laurinda Augusta, a Dona Lôra, como é conhecida na região. Uma senhorinha, ágil, simpática de 80 anos, que faz maravilhas em seu fogão a lenha. Sua especialidade está em transformar o que a dá na estação em incríveis doces. Figo, laranja, limão, abóbora, Pequi com leite, Laranja da terra e até pau de mamão. Doce de leite e Amêndoa (amendoim com calda de açúcar). São 40 anos, vendendo felicidade em colheradas. Assim como na casa da Dona Lorâ, a história se repete, de lar em lar, são gerações que amam e tiram o seu sustento do ofício. A tradição passada de geração para geração, recebeu em 2017, o registro de Patrimônio Imaterial do Município. E esse modo, único, cheio de afeto e histórias, tornou-se um meio de valorização do patrimônio cultural imaterial brasileiro e virou um belo reconhecimento, para que a nova geração não deixe acabar.
Estamos felizes, de coração alegre e mais doce. A experiência dentro do que é nosso nos fez sentir ainda mais a riqueza das Minas Gerais. Se a gente puder deixar um conselho, façam esse roteiro. A próxima edição está marcada para o dia 04/05. Informações: contato@tripness.com.br ou pelo telefone: 3646-1249
Se a vida lhe abraçar a colheradas, agradeça.